Angelina

Louise: Fala um pouco sobre sua vida aqui.

Angelina: Meu pai nasceu onde é hoje o Hospital André Luís. Ali que minha avó morava, ele foi criado ali. Minha mãe era de Ponte Nova mas essa Ponte Nova aqui, perto de Betim, entre Betim e Esmeralda, não sei se você já ouviu falar, na beirinha do Rio Paraopeba. Mamãe nasceu e foi criada lá. Aí papai casou com ela e eles veio pra cá. E aí nós tudo nascemo já aqui, nossa casa antiga, era aqui mais embaixo, mais perto do rio, o Arrudas.

E aí foi onde nós tudo nascemo. Uma família de onze irmãos. O mais velho ja é falecido: Compadre Manoel, depois é o Antonio, que nós não chegamo a conhecer, depois abaixo dele é a Ana, abaixo da Ana, Maria, abaixo da Maria, eu, abaixo de mim, Ezaltino, abaixo de Ezaltino, Anelita, abaixo de Anelita, Paulino, abaixo de Paulino, Brasilina, abaixo de Brasilina as caçulas, Leonilsa e Leonilde. Uma delas já falecida e a outra tá ainda aí. E é até solteira.

A casinha nossa era mesmo na beirinha do córrego, depois que veio pra cima, era o rio onde nós tudo lavava roupa, vasilha, pescava. E aqui do outro lado era o Mato da Lenha, depois Salgado Filho.

Papai mexia com tropa, com cargueiro. Comprava a lenha, pegava lenha, e punha nós pra vender na Nova Suíssa, no Calafate, no Prado. Nós andava por ai a fora tudo. E aí quando a gente ia de lá prá cá, a única casa que tinha era a nossa e a do tio Francisco. Ali na frente e já lá pra baixo uma cunhada de mamãe. E era só umas quatro casas desse lado aqui. Do outro lado era só mato. Quando era pra fazer o Salgado Filho nós é que derrubou a lenha. O papai comprava na mão das pessoas.

E do lado de cá tinha os trilhos, e a gente ia seguindo prá ir na missa, seis horas da manhã, e depois voltava tudo nos trilhos. A missa era com o antigo padre, acho que era alemão. Meu tio trabalhava pra ele e tinha uma charrete pra conduzir ele pros lugares.

Ali mais pra frente, do outro lado era uma fazenda de criação de gado, tirava leite pra vender. A única fazenda nesse meio. Esse pedaço nosso era chamado de “O povo do cercado”. Já do outro lado a família dos Candido, onde é o André Luis.  No rumo que a Norma mora pra cima era Vargem do Felicio, hoje Betânia. Que era do pessoal dos Gomes. Tinha o Francisco, o Manoel, o Zé Gomes, e a esposa do Francisco, a Dona Chichica. Lá onde nós falava Várzea era só plantação de hortaliça. Às vezes nós ia lá trabalhar na roça. Aí já era a família dos Alves, ainda tem muitos deles. Eles mexiam só com lavoura. Nós ia cedo, e plantava de tudo: repolho, tomate, esses trem…Onde hoje é Bonsucesso, veio uns japoneses, uma famíla de japoneses, e a gente trabalhava pra eles também. Era só plantação de horta. E chegava fim de semana e eles levavam pro Mercado.

Depois que nós tiramo as lenha do outro lado que veio as casas populares. De certa altura pra cá, no rumo da igreja, do lado baixo, onde é o asilo, era uma igrejinha pequinininha, uma capelinha. Empareado com ela o asilo dos idosos. Ali a gente ia fazer visita pra eles. Ali onde era o grupo não tinha nada. Depois de eu casada, aí construiram o colégio municipal, e meus meninos estudaram lá. Tinha umas poucas casinhas, o pessoal falava Vila Velha. Logo que derrubou a mata, veio gente invadir, na beira do córrego. Hoje fala favela, mas naquele tempo a gente nem sabia o que era favela. Era vilazinha.

Quando começou a construção das casas populares eu era solteira. As minhas duas irmãs mais velhas começaram a namorar rapazes que veio trabalhar na construção. A Ana, que é a irmã mais velha, casou. O rapaz era de Diamantina. E a outra, a Maria, quando inaugurou as casas ela casou com um vigia. Ela até morou numa das primeiras casinha popular.

Aí foi apovoando, aqui na nossa parte já tinha mais casa, mas mesmo assim era muito pouco. Essa parte aqui foi doada pelo pessoal dos Alves pro meu avô. Ali onde era a casa de minha avó, no rumo, tinha uma mina d’água., onde hoje nós atravessa, naquela rua embaixo. Nós lavava roupa, apanhava água pra beber. Era uma bica uma beleza, onde é a igreja Nossa Senhora da Conceição. Até ainda pouco tempo a água caía no boeiro na porta da igreja. Uma beleza, a água. Os que moravam ali perto usavam essa água, diz que ela tá enterrada ali. E do lado de baixo do André Luís ainda tem uns arvoredos, um terreno grande. Ali era uma chácara. Hoje não sei nem quem é o dono. Acabou a casona que tinha ali, muito bonita.

Papai mexia com animais, ele subia, atravessava a linha do trem e soltava eles lá. Era dalí a família do meu esposo. O lugar tinha o nome de Embaúba. A casa da minha sogra era onde hoje fica o cemitério Parque da Colina. E do outro lado era o Patrocínio. O João Patrocínio, da flora Patrocínio, que hoje é dos meninos dele. Ali podia contar as casas. A estrada de ferro a gente pegava pra ir pra Ponte Nova e Betim. Era tudo as casas e a igrejinha de São Geraldo. As famílias eram só essas, e os dali foi casando parente com parente, teve muito filho deficiente, com problema. Depois é que veio entrando mais gente de fora.

Quando chegou as casas populares papai já nem mexia com a lenha, não tinha mais fogão de lenha. Ele entregava nas padarias e nas casas de família. Ali onde é hoje a rua Junquilho e a Silva Lobo. Nós tinha a freguesia pra entregar. O nome Mato da Lenha deve ser coisa do pessoal dessa fazenda, o dono chamava José Onório. Depois mudaram lá pro Calafate e pro Palmeira. Depois das casa popular mudou bastante. Logo que derrubou a mata já mudou bastante, mas ainda ficou muito morador da vila velha, nas casinhas.

Na beira do rio nós punha uma pinguela de coqueiro pra passar em cima.

Louise: Quando a senhora fala parece que está caminhando pelos lugares.

Angelina: É, a gente nao esquece não. A gente andava a cavalo e a pé. Só tinha trilho, nada de avenida. Quando queria ir lá em Ponte Nova, depois de Betim, ia a pé ou a cavalo. Andava o dia todinho.

Louise: A senhora tem saudade disso?

Angelina: Eu tenho. Vou fazer 68 anos de casada. O dia que eu fui casar eu atravessei  a pinguela pra ir na casa paroquial, nessa época nem tinha igreja.

Louise: A senhora tem foto do casamento?

Angelina: Acho que sim…

Louise: Conta um pouco mais de sua infância aqui.

Angelina: Nós brincamo muito, era muita brincadeira, reza também. Era mês de maio que a gente ía lá na igrejinha de São Sebastião, com meus tios – Tio Francisco morava aí na frente, e Tio Joaquim. Nós ía com eles e voltava, e de lá da cabana vinha a minha sogra, eu nem lembro que eu tava menina. Mamãe que contava. Eles vinha com Nossa Senhora Visitadora. Ela tá aí até hoje. Aí vinha e deixava na casa nove dias enquanto a gente rezava os nove dias. O divertimento que tinha era esse.

No grupo nós começamo a estudar lá no Emília Cerdeira, na Betânia, hoje já mudou o nome. Às vezes nós estáva lá, e era hora do recreio, papai passava, pedia a professora Dona Emília Cerdeiro, pra ver se ela podia deixar nós sair da aula pra ir com ele lá para o mato. Ía com ele, a Maria minha irmã que é mais velha do que eu. Ela tinha medo porque o papai parava pra conversar com todo mundo que ele encontrava. E nós e os animais desanimava e deitava. E depois, pra animar de levantar era aquele custo…e ela chorava, gritando o papai. E nós ía lá no Bonsucesso, que era o lugar que ele pegava lenha, vinha, trazia aqui pra casa, no outro dia cedo carregava aquelas carguinhas pequenas, e punha a gente pra ir pra Nova Suíssa e Calafate, pra vender. Quando não vendia tudo, ia para aquela casa onde hoje é o EPA, nem sei o nome daquela rua depois do EPA… Tinha uma dona ali muito conhecida nossa, ela ficava com dó, coava café, dava pra gente. E nós tirava a lenha que não vendía e deixáva guardado pra no outro dia ir pegar. Tinha muita gente boa na rua, lá quase onde hoje é a Silva Lobo, tinha também um moço que tinha uma mercearia, nós passáva já de noite, quando descarregava tudo, papai montava a gente na garupa dos animais, vinha na garupa. Quando chovia demais chegava aqui, do outro lado do córrego e tava transbordando, não tinha jeito de nós passar pra cá. Aí parava lá na casa da minha avó, tirava as cangalha dos animais, deixava lá guardado, deixava eles lá, porque era tudo mato. Aí papai subia com a gente já indo pra Betânia, tinha um encanamento que trazia água lá da serra, passava por cima do córrego o encanamento, a água ía pra esse instituto que tinha na Gameleira. Tinha esse cano grosso, e aí papai montava, e mandava a gente agarrar nas costas dele, a água quase chegando em cima, pra atravessar pra nós ir embora pra casa. Era aquele sacrifício, né?

Quando foi pra passar do segundo pro terceiro ano no grupo, o papai tirou a gente dos estudos, dizendo que não, que menina não precisava de estudo, não. Era aquela ignorância. Oh meu deus!!!! Mas a gente tem saudade, era tudo sacrificado. Mas era bom, os vizinhos eram como se fossem a família, qualquer problema que tinha eles vinham pra ajudar.

E a ocasião que mamãe pôs veneno no bolo sem saber, pensando que era fermento. Papai comprava e punha na dispensa, negócio pra machucado de animal. Ela foi pegar de noite pra fazer a broa, achou que pegou o bicarbonato, e fez o bolo. Quando foi de manhã na hora de ir pra aula ela já tinha coado o café, e um tio nosso veio pra trabalhar aqui e ficou morando com a gente, e nós que éramos menores. Nós todos tomamos café, passamo mal, ela chamou o papai, ele correu até a casa do irmão dele, que foi lá pro lado da Nova Suíssa pra comunicar. Aí veio a ambulância, mas ficava do outro lado do rio, e levaram nós todo pro pronto socorro na Rua Tamoios, onde hoje é a Igreja de São José. E ficamo o dia todo lá pra tomar o medicamento. A polícia veio e levou o papai, que era o único que não tinha comido, aí desconfiaram dele. Aí mamãe falou que eles vieram aqui olhar onde estavam as coisas e aí mamãe viu o que pegou.

Norma: e olha só, diz que no dia que eu nasci, eles chamaram o taxi e ele ficou do outro lado do rio. Meu pai teve que carregar minha mãe. Ai nós tinha que atravassar o rio.  Pra comprar o gás a gente tinha que atravassar o rio. E tinha aquele óleo preto, que descia de descarga da Mannesman, e aquilo agarrava na perna e de noite pra lavar aquele óleo… era um custo pra tirar a sujeira. E o dia que meu avô morreu, a padaria até fechou quando passou o cortejo, ele era muito conhecido. Todo comércio que tinha fechava pra passar o enterro.